Nascimento da tarifa aduaneira – o ensinamento do professor hinori asakura
No texto, enquanto as alusões entre colchetes são responsabilidade do tradutor (Cesar Olivier Dalston), as que aludem aos aspectos históricos foram retiradas da Wikipédia, os elementos técnicos descritivos da origem da tarifa aduaneira é a tradução das páginas 67 a 72 do excelente livro do Prof. Hinori Asakura (World History of the Customs and Tariffs, OMA, 2003). Veja no link abaixo:
Quem é o Prof. Hinori Asakura? Foi o grande gerente que comandou a construção do Sistema Harmonizado de Designação de Codificação de Mercadorias, nos anos 70 e 80, e a quem rendemos uma homenagem pelo que fez em prol do comércio internacional.
Uma das maiores conquistas da administração aduaneira romana foi a criação da tarifa aduaneira. Antes do Império Romano os direitos aduaneiros eram cobrados a razão de um único valor aplicado sobre qualquer mercadoria, tal como aconteceu no antigo Egito e nas Cidades Estados da Grécia.
Nessas situações, isto é, de valor único para o direito aduaneiro, não havia a necessidade da uma tarifa aduaneira, ou seja, um rol de mercadorias associado a diferentes valores dos direitos aduaneiros [Nota do tradutor: Assim, por exemplo, antes dos romanos, o valor devido por uma jarra de vinho era exatamente igual ao devido por uma cuba de azeite. São os romanos que alteram essa forma de tributação e estabelecem diferenças conforme as necessidades ou relevância da mercadoria (mercadorias muito demandadas pela população em geral recebiam tributação menor do que aquelas consumidas em pequena escala pelas classes mais ricas)].
É interessante notar que o termo tarifa apareceu depois de muito tempo após o nascimento da própria pauta aduaneira.
Um ano antes da invasão da Europa pelos muçulmanos, 711 D.C., um grupo de reconhecimento do exército islâmico desembarcou na costa da Andaluzia [Nota do tradutor: numa ilha], para estudar a natureza do terreno.
O comandante de esse grupo militar era chamado de Taligibn Ziyad e o local do desembarque [Nota do tradutor: ao longo dos anos] foi denominado de "tarifa" em sua homenagem [Nota do tradutor: derivação do nome Taligibn].
Na medida em que a área foi ocupada [Nota do tradutor: e tendo em conta suas características estratégicas], os islamitas coletavam tributos para permitir a passagem dos navios ao longo do horizonte da Ilha de Tarifa [Nota do tradutor: em inglês o termo é tariff; em francês tarif; em espanhol tarifa e em português tarifa, o que demonstra a origem comum do termo em tela].
A pauta aduaneira (octroi) de Palmira.
[Nota do tradutor: octroi é termo originário do francês, octroyer, e quer dizer concessão ou outorga – em termos tributários octroi é o tributo cobrado sobre várias mercadorias levadas a um determinado lugar para aí serem consumidas, isto é, equivale, mantida as proporções, ao nosso conhecido ICMS].
Senadores da cidade-oásis de Palmira, localizada no deserto sírio [Nota do tradutor: hoje é um monumento histórico: http://www.reuter.net/syria_private_tours/palmyra.htm], inventaram um sistema de tarifação, para ser aplicado nos serviços aduaneiros dessa cidade, que ainda está sendo amplamente utilizada no século 21.
Palmira era uma cidade muito importante, um oásis com inúmeras palmeiras, cujas cores iam do dourado e avermelhado. Caravanas provenientes de Bagdá, com destino a Damasco, paravam em Palmira, que, por isso, prosperou como um importante centro do comércio.
Após o Tratado de Paz entre Roma e Pártia [Nota do Tradutor: A Pártia, também conhecida como Império Arsácida, foi a potência dominante no planalto iraniano a partir do século III e controlou a Mesopotâmia de maneira intermitente entre 190 A.C até 224 D.C.], em 20 D.C., o comércio entre o leste e o oeste tornou-se muito mais seguro e Palmira passou a ser a principal cidade [Nota do tradutor: por onde trafegavam] das caravana.
Como pode ser visto das fotografias das ruínas de Palmira, sua beleza era tal que veio a ser conhecida como a noiva no deserto. O Imperador Adriano dizia que tinha gostado muito de Palmira e, em consequência, a título excepcional, autorizou a, mesma a recolher os seus próprios tributos. Está parece ter sido o pano de fundo para o nascimento da primeira pauta aduaneira.
A chamada tarifa aduaneira de Palmira formou uma parte importante da sua legislação tributária “municipal” e foi gravada em uma grande pedra (175 cm por 480 cm) em grego e aramaico. A data [Nota do tradutor: de edição] desta lei foi 18 de abril 137 D.C.[Nota do tradutor: boa data para se comemorar o Dia da Tarifa Aduaneira]. Essa tarifa era apenas uma parte da legislação tributária “municipal” de Palmira de forma que também são encontrados nessa pedra inscrições relativas a outros impostos, como o imposto sobre o uso da água e do imposto sobre prostitutas. Entretanto, grande parte das receitas da cidade provinha, sem dúvida, da pauta aduaneira (octroi).
O texto da pauta aduaneira de Palmira tem a seguinte redação [Nota do tradutor: esse texto foi coletado dos restos do muro que cercava Palmira]:
Primeira coluna
§1- De quem importar escravos do sexo masculino para Tadmor [Nota do tradutor: nome árabe de Palmira], o oficial aduaneiro (publicanus) devem recolher 22 denários.
§2- Para cada escravo exportado, 22 denários.
§5 – O oficial aduaneiro deverá cobrar ele mesmo o tributo relativo a cada camelo com carga: 3 denários para cada camelo carregado que entrar em Tadmor e 3 denários para cada camelo carregado que deixar Tadmor.
§6 – Para cada burro carregado, na importação ou exportação, ele deverá [Nota do tradutor: o agente aduaneiro] cobrar 1 denário.
§7 - Lã tingida de púrpura. Para cada velo, importado ou exportado, 3 denários.
§8 – Para cada camelo carregado com jarros de alabastro contendo óleo aromático, 25 denários.
§9 – Para a exportação desse óleo, por camelo carregado, 13 denários por carga.
§10 - Para cada camelo carregado com bolsas de couro de cabra contendo óleo aromático, 13 denários na importação ou exportação.
§11 – Para cada burro carregado com jarros de alabastro contendo óleo aromático, 7 denários na importação ou exportação.
§12 - Para cada burro carregado com bolsas de couro de cabra contendo óleo aromático, 4 denários na importação ou exportação.
§13 - Para cada camelo carregado de azeite colocado em quatro bolsas de couro de cabra, 10 denários na importação ou exportação.
§14 - Para cada camelo carregado de azeite colocado em duas bolsas de couro de cabra, (?) denários na importação ou (?) denários na exportação.
§15 - Para cada burro carregado de azeite, 7 denários na importação ou exportação.
§16 - Para cada camelo carregado de gordura em quatro bolsas de couro de cabra, 13 denários na importação ou exportação.
§17 - Para cada camelo carregado de gordura azeite colocado em duas bolsas de couro de cabra, 7 denários na importação ou exportação.
§18 - Para cada burro carregado de gordura, 3 denários na importação ou exportação.
§19 - Para cada camelo carregado com provisões salgadas, 10 denários na importação e (?) denários na exportação.
§20 – Para mercadorias salgadas carregadas por burro, o agente aduaneiro deverá coletar 3 denários por carga, na importação e na exportação.
Segunda coluna
§30 – Dos negociantes de couro, para importar e vender, o oficial aduaneiro deverá coletar 2 denários.
§33 – Para todos os lotes de vinho, milho, palha e outros produtos similares, o agente aduaneiro recolherá 1 denário por camelo carregado, por viagem.
§34 – Ele [o agente aduaneiro] deverá coletar 1 denário para cada camelo importado (sem carga).
Terceira coluna
§52 – De acordo com a lei, os gêneros alimentícios devem ser tributados a razão de 1 denário por carga. Decreta-se que este direito deve ser praticado na importação e na exportação.
§53 – Conforme acordado, qualquer pessoa que transporte mercadorias para periferia da cidade ou desta para a cidade não pagará nenhum tributo.
§54 – Foi decidido que os cones de pinheiro e outras mercadorias similares, importadas por comerciantes estrangeiros para fins de comércio, devem ser tributados como “bens de consumo” [Nota do tradutor: trata-se de tradução da expressão “dry goods”; ainda hoje nos EUA e Inglaterra, são quaisquer produtos para venda que não necessitem de condições particulares de estocagem, como ocorre com os tecidos], como é prática em outras cidades.
§55 – Camelos trazidos do outro lado da fronteira, quer carregados ou não, são tributados a razão de 1 denário por cabeça, em conformidade com a lei e em consonância com o estipulado por Chaeus Danitius [Nota do tradutor: nome da autoridade responsável pelos tributos na cidade de Palmira, na época da tarifa gravada no muro] em sua carta aos bárbaros.
A criação da primeira pauta aduaneira, escrita e gravada em Palmira, parece ter sido bem recebida pelos comerciantes das caravanas, visto que, além de aumentar a transparência dos tributos, evitava fixação arbitrária de tarifas.
A tarifa aduaneira (octroi) de Palmira foi baseada na quantidade, isto é, os tributos eram cobrados de forma específica. Curiosamente, a unidade de quantidade foi muitas vezes derivadas do meio de transporte, como por exemplo, por camelo ou por burro.
Embora grande parte do muro de Palmira tenha desaparecido no decorrer de quase dois mil anos, uma parte ainda permanece (de 2 a 3 metros de altura e algumas centenas de metros de comprimento).
As caravanas chegavam à porta da cidade, junto a parte da aduana, para serem inspecionadas pelos funcionários aduaneiros e eram obrigadas a pagar os direitos aduaneiros com base nessa pauta aduaneira.
De qualquer forma, a tarifa de Palmira foi a primeira pauta aduaneira da humanidade e listou diferentes mercadorias com diferentes imposição de tributos. A cidade-oásis de Palmira, portanto, ocupa um lugar de especial importância na história do mundo dos aduanas e tarifas.
Tradutor: Cesar Olivier Dalston, www.dalston.com.br